05/06/2008

9ª Diária: Versão do Produtor – Dia de Trabalho.

Finalmente chega uma das diárias mais aguardadas pela equipe e elenco de Os Batedores: a famosa cena do linchamento, onde nossos heróis (ou apenas um deles) teriam de enfrentar o ódio mortal de uma multidão ensandecida e sedenta por sangue.

Seria uma cena relativamente simples se Filipe Ferreira, o Diretor, não resolvesse optar pela forma Judment Day de fazer cinema: uma câmera escondida e alguém gritando “Ladrão!” em plena Esquina Democrática em seu dia mais cheio. Tudo para capturar as reações e feições dos populares, que atuariam sem saber e fariam parte da história do cinema gaúcho (ao menos é o que torcemos, rsrsrsrsr)...também sem saber.

Com membros da produção espalhados em volta do perímetro da morte, Jéferson Rachewsky e o Circo Girassol ensaiavam sutilmente em meio a inocentes passantes da manhã de sábado. Outros figurantes a postos (alguns de luxo, como Chico Ferreti) e só faltava o Ferreira falar “ação” pelo rádio, ao lado de Márcio Cardoso e Franck Rebello, do alto da marquise da Loja Gaston. Os três perceberam a presença de uma estátua viva (aquela que se veste de anjo) no cantinho do monitor e pediram ao Marcelo que negociasse a participação dele no filme. A idéia era que a estátua viva descesse de sua plataforma e participasse da pancadaria. Eis a resposta:

- Eu só trabalho com a Casa de Cinema.

Não somos a Casa de Cinema. Somos a Arquivo Morto, porra. Deve ser por isso que ele continua a “ganhar a vida” inerte, de pé, faça frio ou calor e vestindo uma roupa ridícula. Nada contra a Casa de Cinema, que não tem culpa de contratar imbecis de quando em vez. Mas sim aos egos de asas.


E viva o cinema gaúcho.

Ação no rádio. O braço do Marcelo desce, dando o sinal para a movimentação. As peças se movem e o primeiro take, silencioso, inicia. Tão bem planejado pela coreografia do Jé que três pessoas chamaram o PM que estava nos escoltando (que, por sinal, veio nos dar os parabéns pelo trabalho, que, segundo ele, estava bem real ao que ele costuma ver no Centro). Tudo muito bonito, mas não tinha chamado a atenção que o Diretor pretendia. Precisávamos do áudio. Precisávamos do “Ladrão!”. E fomos para o segundo take. Desta vez, daríamos trabalho ao Filipe König no som direto.

Um brado fez toda a diferença, pois aconteceu DE TUDO neste segundo take. Ao som do grito, os curiosos se aprochegaram. Ligeiro deu um vôo mirabolante para, em seguida, espatifar num chão sem colchões. Dona Quintina, uma das figurantes, roubava a cena chamando nosso batedor de F.D.P. e recebendo-o com bolsadas. Carteiras voavam e uma delas foi afanada de verdade por um idoso que passava por ali e aproveitou-se da confusão. Ligeiro foi cercado por figurantes e o pessoal do circo (que sabia bater sem bater e cair sem se machucar, coisa de palhaços), mas foi outro popular desavisado que invadiu o set e emendou um chute bem de verdade em nosso valente ator. Apreensivo, Raul (Marco Soriano Jr.) assistia a tudo de longe. Sempre atendo, Cristian Verardi registrava tudo para o Making Of.

O burburinho foi geral. Produção invadindo e parando todo mundo. Filipe tentando falar com Jé via rádio para ver se ele ainda estava vivo. Marcelo tentando consolar o agressor enquanto este fazia um sinal de “putaquepariufizcagada” com a cabeça. Eu observava de longe o velho ladrão colocando a carteira da filmagem no meio do jornal e subindo devagar a Borges. “Pessoal, peraí que vou ir pegar um batedor de carteiras de verdade.” Abordei o tio, que fazia o tipo velho baiano (similar ao Jorge Amado, Dorival Caymmi, ACM...enfim...), e comecei a conversa abaixo:


- Bom dia, senhor. Eu gostaria de levar a carteira de volta.

- Hã? Que carteira?


- A que o Senhor pegou na filmagem.

- Não peguei carteira nenhuma.

- Ah, meu Senhor...esta carteira que está aí no meio do seu jornal.

- Não tenho carteira nenhuma. Isso aqui é só o meu jornal.

- Olha só, eu não quero ter que chamar ninguém, vai. Vamos fazer assim, o Senhor me devolve a carteira e ficamos elas por elas. Tudo bem?


Ele olha para um lado, olha para o outro, infla as bochechas e abre o jornal. Me entrega a carteira e descubro que, na verdade, era uma carteira de verdade de um dos atores que não tinha ainda trocado por uma das carteiras cenográficas. Com dinheiro, cartões e tudo.

- De quem é esta carteira, afinal?

- Não sei. Só sei que não é sua.


Voltei triunfante e devolvi a carteira. Mas não voltei sozinho. Com uma cara de pau ímpar, o tal velhinho também retornou para ver o andamento das filmagens. E tinha muita coisa ainda pra rolar, afinal, era recém o segundo take...

Três, quatro, cinco, seis takes da Cena Master e partimos para as fechadas. Nesta altura, já havíamos formado uma generosa “rodinha” em torno da filmagem, muito maior que a do Homem do Gato ou a do cara que pula no aro cheio de facas. Sem o Ghiorzi (que ganhou férias mais cedo, rsrsrsrs), contamos com sangue falso produzido pela Lisi Caldini, que enchia a boca da Jé de melado, anelina e outras substâncias vermelhas. Lisi também supriu a ausência da Julia Jones pela manhã (nossa Still viria somente a tarde) com sua super-máquina-fotográfica (com a qual tirei algumas fotos). Marco fazia seu aquecimento de atleta e logo estava enquadrado na angustiante cena da decisão. Raul tinha que escolher entre “ajudar” ou “ser ajudado”. Ah, mais detalhes só no filme, né...

Rose Borges e eu fomos pegar as pizzas (cedidas generosamente pela Pizza Hut) e partimos para o almoço num lugar muito especial: o ninho da Pomba. Cláudia Borba (a menina com apelido de pássaro) cedeu seu apê para confortar o pessoal e as pizzas, que eram devoradas em meio a piadas e causos. Uma sessão de comilança e algumas passadas no texto depois e lá estávamos nós novamente. Desta vez, era a cena das batidas de carteira, onde Raul e Ligeiro fazem a limpa no Centro da cidade. Devido a alguns contratempos no decorrer da semana, Jack Gerchmann não pôde angariar figurantes para serem assaltados, porém, graças à sua notória desenvoltura (e certa cara de pau), nosso Produtor de Elenco tirou, do nada, seis
fugirantes, que foram municiados pela Fernanda Jorge com as carteiras cenográficas.

Claro que alguns membros do staff também foram recrutados (Álvaro, Lucas, Ana e o pai da Pomba) e logo estávamos montando a Steadycam para um dos melhores momentos do curta: acopanhando uma inocente caminhada da dupla, a câmera de Franck Rebello registra Raul e Ligeiro batendo, de verdade, as carteiras dos figurantes. Como uma dança da pilantragem, os dois esbarravam e passavam pelas pessoas. Mãos velozes deixavam bolsos vazios e um pequeno plano-sequência nasce. Tão bem feito que tivemos de olhar umas quatro vezes para acreditar que deu certo de primeira.

Mais takes e novos planos e roubos e logo o sol caiu. Assim, do nada. Tínhamos planejado encerrar as filmagens, mas o horário e a iluminação nos traíram e nos fez segurar o sorriso. Faltou apenas os diálogos do Ligeiro com seu amigo do peito. Há uma grande chance de fazermos isso neste findi.

Mais uma vez, esperamos. Só que mais perto do fim. E mais esperançosos com o produto final.=)